sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013




Di, Glauber, Cuba, Eu e os Cineclubes - 1


Fisicamente você pode tocar e manusear um filme, sentir o seu cheiro, o seu gosto. Ele também pode ser  visto a olho nu, embora, desta maneira ele nunca se completa como  linguagem, narrativa, fábula, como ferramenta de expressão, interprete de uma sociedade, de um povo. Como imagem em movimento, ele só se completa quando projetado e bem projetado na tela, momento em que se torna arte e ganha perenidade.


Suas imagens são impressas em uma base chamada, primeiro chamada de nitrato, celulose e por último película, compostas de emulsões sensíveis à luz, a base de sais de Prata. São fotografias ligeiramente sobrepostas umas as outras, fotografadas numa velocidade de 24 fotogramas por segundo que, quando projetadas, dão a ilusão de movimento. Isso acontece por causa de um fenômeno presente no olho humano chamado de "persistência da retina". O olho humano tem a capacidade de reter por uma fração de segundo, uma imagem, que projetadas em seqüência - de 24 fotogramas por segundo -, se tem a ilusão do movimento. Por tanto, você pode tocar, manusear uma película, mas só ver quando projetadas em uma tela branca. Mas.


                                                                                         Foto: Diogo Gomes


Certa tarde, o cineasta paranaense Sylvio Back entrou na Dinafilme, lá pelos anos de 1981 e pediu para ver o filme “Pátria Redimida” de João Baptista Groff/1930. Estava fazendo pesquisa visando seu futuro filme.

De imediato pensei: Quanta honra projetar um filme para uma personagem tão importante. Isolei uma das salas, improvisei uma tela de papel branco colado na parede, comecei a preparar o projetor, quando ele falou:

- Não precisa projetar o filme!

Fiquei meio sem entender, achando que ele mesmo poderia querer projetar. Mas ele insistiu, aliás, pensei novamente, será por causa da tela improvisada?! Pode deixa, disse ele.
- Mas você não quer ver o filme?

- Quero sim, mas pode deixar que eu vejo assim mesmo, na mão.

Não entendi nada mesmo, mas fiz o que solicitara; coloquei uma cadeira virada para a janela. Era uma tarde luminosa. Solicitou uma vassoura, passou-a no chão em frente à cadeira e começou a desenrolar o filme, enquanto colocava-o contra a luz do sol.  


                                                                                                      Foto: Joseane Alfer


Minutos depois, quando começou a enrolar o filme de volta no carretel, manualmente, solicitei e terminei de enrolar na enroladeira¹.

Tempos depois, quando não havia mais dúvidas sobre a nossa ida para Cuba, para participar da 2ª Edição do Festival Internacional de Cinema de Havana e da nossa presença no Mercado de Cinema Latino Americano – MECLA – onde se vende, compra e fazia-se trocas de filmes. Tive então que preparar a viagem e as pressas, procurei selecionar filmes brasileiros que pudesse interessar a outros países, visando possíveis trocas.

Cosme Alves Neto que havia sugerido nossa ida (Dinafilme) ao Festival, em função do filme “Vento Contra”, de Adriana Mattoso, 1982, disse entre outras coisas que o Festival faria uma homenagem a Glauber Rocha - que falecera em agosto daquele ano. O Festival acontecia na primeira quinze de dezembro do mesmo ano -, mas faltava um filme do diretor e era também o único que a cinemateca de Cuba não tinha em seu acervo.


Inventei as presas uma programação de curtas-metragens; requisitei na Embrafilme, vários filmes produzidos pelo antigo Instituto Nacional de Cinema – INC -, em sua maioria, filmes dirigidos por Humberto Mauro.


Dentro de cada lata do filme, vinha o Certificado de Censura, cópia original. Xeroquei todos os certificados, devolvi junto com os filmes e retive os Certificados originais e uma cópia do filme: Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão — esta pantera — Foi tua companheira inseparável!², "Di" de Glauber, como ficou conhecido o filme.

Naquela época, aqui no Brasil a Ditadura Militar se mantinha e a Censura continuavam feroz, apesar dos avanços da sociedade civil. Neste clima fomos para Havana, clandestinos!

No aeroporto, na hora de passar pela vistoria da Polícia Federal, estendi a mão oferecendo o passaporte para o agente da Polícia Federal de plantão no guichê. Este que estava impávido, olhou bem pra mim, olhou, olhou e depois de algum tempo, que não deve ter passado mais que vinte segundos, mas a minha sensação é que já fazia mais de horas, eu devia estar com uma cara que denunciava qualquer coisa, o agente lentamente pegou o passaporte e perguntou:
- Pra onde você vai?
- Pro Panamá.
- Panamá!... Você tem família lá?
- Não, vou de férias.
Ele voltou a olhar pra mim, num misto de surpresa e riso, folheou o passaporte como se fosse aqueles caderninhos com desenhos, que ao folhear daquele jeto, tem se a impressão de movimento. Parou e  sentenciou novamente.
- Você vai de férias pro Panamá!... De férias... Para o Panamá!!!
Enquanto falava, com o passaporte aberto na mão, o agente, chacoalhava-o bem rapidinho, bati-o na mesa, como se estivesse querendo que alguma coisa saísse lá de dentro, e eu respondo.
- É.
- De férias, para o Panamá?!... Seu Diogo, no que o senhor trabalha, seu Diogo?
- Eu sou animador cultural.
Novamente a surpresa do agente policial. Desta vez ele parou, congelou a imagem e novamente sentenciou.
- O que faz um animador, seu Diogo?
Deus do céu, eu não sei exatamente o que respondi, só sei que suava, suava... No meio da conversa o cara me cortou:
- Tá bom seu Diogo, tá bom... quer dizer então que o senhor vai de férias para o Panamá?... Tá bom divirta-se, mas tome cuidado hein, não vai me passar para o outro lado do canal. Sai dali com a sensação de que o agente sabia tudo que eu ia fazer naquela viagem e que o destino, apesar da passagem e do passaporte, não seria o Panamá!


                                                                                                      Foto: Diogo Gomes


____________________________

¹ -  Augusto dos Anjos, Versos Íntimos.
² - Enroladeira, máquina manual usada para rebobinar o filme de um carretel para o outro. Muito usada nas cabines de projeção dos cinemas, nas distribuidoras para consertar os filmes, nas cinematecas, etc.


 Sobre ética, conduta, valor e missão testemunhal da Narrativa



"Cineclubismo é antes de tudo movimento, movimento de gente, de ideias, imagens e sonhos em favor da atividade cinematográfica", do Manifesto "Olhar Sobre Telas", setembro de 2003.


Um exercício do livre pensar sobre a atividade cineclubista!


Aqui onde se narrar sobre Cineclube, Cineclubismo e sobre o Movimento Cineclubista!


Memória, fio condutor da trama vivenciada, onde as analogias, licenças poéticas, simbologias e fabulas conduzem as narrativas.

Afastada a presunção, aqui se narra fatos, testemunhos ocular de um tempo vivido, trazendo-o aos tempos atuais, com o cuidado de não querer ser hoje, aquilo que gostaria de ter sido no passado, porque o hoje já o tempo presente do passado.

Aprendi que a mística cineclubista, visa a criação de uma política pública de cultural, cinematográfica e do audiovisual, com disciplina, organização e estudo,  através do fazer e do pensar, subverter a sociedade. 






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