Di, Glauber, Cuba, Eu e os Cineclubes - 3
Foto divulgação internet
O retornando de Havana
provocou o primeiro choque no aeroporto do Panamá. Lá estava o espírito
capitalista do Natal em sua plenitude. Um misto de alegria por estar voltando
para casa, e a saudade imensa que invadia minha alma. Por outro lado, pairava
no ar certa tristeza, por deixar aquela cidade, tão orgulhosa de si, onde em
cada esquina existe um CDR – Comitê de Defesa da Revolução-, onde as praças e
ruas eram limpas, sem crianças abandonadas, sem mendigos... Aquela gente tão
parecida com a nossa, transpirando dignidade, um orgulho de ser povo, nação!
Foto divulgação internet - Canal do Panamá
Pairava também sobre a
cabeça, uma frase proferida pelo companheiro de viagem, antes mesmo de a viagem
acontecer: “e se a polícia prender os filmes?”. Afinal, tinha levado para Havana, por conta e risco, mais de
dez filmes; se tal ato acontecesse,
seria um desfalque considerável para o acervo da Dinafilme, e uma lacuna cultural
imensurável para o movimento cineclubista. Como pagaria, não sei... Quem não
tenta, também não realiza. Os filmes foram trocados e os que estavam voltando
agregaram valor cultural à atividade cineclubista.
Foto divulgação internet. Entre os filmes cambiados em Havana estava "El Pulgarcito" ou "Histórias Proibidas do Pequeno Polegar", de Paul Leduc, documentário sobre El Salvador, realizado com apoio da frente Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN).
Naquela época, ao
desembarcar em qualquer aeroporto do Brasil, a revista era temida e feita
conforme a cara do sujeito. Na fila de saída, antes de passar pela Polícia
Federal, nos separamos. Dois barbudos juntos elevavam a suspeita a duas oitavas
a mais. Combinamos o distanciamento. A imensa maioria dos passageiros da fila
estava barbeada ou bem tosada, cabelos penteados e, invariavelmente, vestiam
paletó e gravata ou algo similar. No meio deles, dois barbudos, cabelos ao
vento, roupas a “La tropicália”, não deu outra: revista!
Foto divulgação internet.
Abram as malas! Exclamou
a autoridade de plantão. A do colega nada além das roupas, objeto de viagem e
um ou outro livro. As minhas estavam cheias de rolos de filmes. Os agentes da
polícia separaram um por um, enquanto o parceiro fechou a sua e saiu. Os
agentes começaram a desenrolar os filmes; passavam a mão com força na película;
cheiravam os filmes, as mãos... Lambiam os dedos, como quem tentar identificar
um paladar... Depois só restava o interrogatório:
- Passaporte! De onde
você vem?
- Panamá.
- Quanto tempo você ficou
lá e fazendo o quê... No Panamá?!
- De férias, participando
de um Festival de cinema...
- No Panamá é... De
férias... No Panamá?
- Foi sim senhor, no
Panamá.
- E o Festival...
Festival do que mesmo...?
- De cinema
universitário.
- No Panamá... Cinema
Universitário...? Foi bom... Fizeram quantas revoluções...?
Onde aconteceu?... Responde, porra!!!
- No Panamá.
- O local, caralho!
- Na Universidade.
- Ah, na universidade do
Panamá?
- Foi.
- E estes filmes, são do
quê?
- São filmes do governo
brasileiro, produzidos pelo INC, distribuídos pela
Embrafilme, que eu levei para participar do
festival.
Os caras olharam uns para
os outros, meio incrédulos, mas um deles resolveu continuar...
Logo Oficial - foto divulgação internet.
- Como é que eu sei que
estes filmes são mesmo do governo brasileiro, da Embrafilme?
Mais do que depressa,
peguei um envelope que estava na mala e mostrei, para cada filme, um
Certificado de Censura e a declaração de saída dos filmes, expedida pelo posto
da polícia no aeroporto. Não contente, um deles pergunta:
- Tem certeza que estes
não são filmes pornográficos?
Titubeie um pouco, mas
logo recuperei a calma que naquela situação, não era minha e sentenciei:
- Não senhor, não é não,
são filmes educativos, dirigidos por Humberto Mauro.
Saí dali radiante!!!...
tinha conseguido trazer para o país, filmes que troquei em Havana, procedentes
da África Revolucionária, de Moçambique e Angola, mostrando a luta de
libertação nacional daqueles países e a implantação de um regime socialista;
filmes das guerrilhas de El Salvador, Nicarágua, Vietnã, Cuba.
Foto 1 - Diogo
"La Decisión de Vencen!" Ganhou o Gran Prêmio "Coral" de melhor documentário do 2º Festival Internacional de Cinema de Havana, assinado pelo Coletivo de Cine da "Frente Sandinista de Libertação Nacional"
foto 2 divulgação internet.
Através da Dinafilme,
alguns daqueles filmes participaram da 8ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Um deles “Salvador, um outro
Vietnã” de Diego Rivera* e Tetê Vasconcelos, concorreu ao Oscar de melhor
documentário. Este e os demais filmes a polícia tentou, prenderam um ou outro,
mas os cineclubes exibiram pelo Brasil afora em solidariedade aos povos em luta
por sua autodeterminação!
Foto Diogo - Diego Rivera e atrás clicando, Leon Hirszman.
Não confundi Diego Rivera, o cineasta com o pintor mexicano cujo nome completo era:
Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez
Não confundi Diego Rivera, o cineasta com o pintor mexicano cujo nome completo era:
Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez
Nunca agradeci ao
“galego” Sylvio Back pela possibilidade e aprendizado de “olhar” um filme de
maneira diferente. É advinda dela à livre inspiração. Agradeço agora com uma
frase do outro Silvio, o Tendler: “Uma vez cineclubista,
sempre cineclubista!
Foto divulgação internet - Sylvio Back
Foto divulgação internet - Silvio Tendler