A Internacional, uma vez mais!
Foto Joseane Alfer
Mesmo em tempos digitais,
tentamos em momentos distintos organizar uma sessão cineclubista em uma casa,
que contasse com a presença do nosso amigo tão querido, o africano nascido na
iluminada Ilha da Madeira, o “portuga” António Gouveia.
Tempo e dinheiro, dois
bens deveras preciosos. O tempo, que tenho sem limite graças ao esforço do
trabalho, está à minha disposição, apesar das marcas no corpo e das manchas nas
roupas que perdi com o suor, resultado da labuta diária. Quanto ao vil metal,
continuo me esforçando para manter comigo o pouco que conseguir. Juntando-os,
vejo que não disponho deles o suficiente, para ir a uma sessão de cinema em
vossas casas, para ver um filme, mesmo nessa tal tela de plasma, que é no dizer
atual “quase um cinema em casa”!
Foto divulgação internet
Na grande tela, sentando
no fundo da sala e sendo um dos últimos a receber os primeiros raios luminosos
da luz rebatida da tela na platéia, lá estávamos “Nós, que nos Amávamos Tanto” com um saco de pipoca na mão assistindo as tais “Papo de Boteco”, um filme do Diomédio Piskator,
realizado em Digital, projetado na grande tela do espaço cinematográfico referência
paulistana, que muito tinha do seu ideal cineclubista, mas que para isso - saco de pipoca -, naquela efeméride, tinha uma teoria, o título do filme! Logo ele que no passado, pipoca no cineclube Bixiga não tinha. As mentes evoluem e a ocasião, também... vai uma pipoquinha aí?
Foto divulgação internet
Foto divulgação internet
Depois de algumas
conversas jogadas ao ar, no saguão de saída, já que o ritual do debate após a sessão ficara
relegado ao tempo, nos saudosos fios da memória de outrora, subimos a tão
Augusta rua, com sua tradicional boêmia agitação, no que pese o barulho da
modernidade, subimos a passos lentos, flagrando, fragmentos de um ou outro
luminoso detalhe, sons de indecifráveis vozes, o ronco “play-moto-boy”, o
sobretudo preto da abundante jovem em direção à sua tribo, e da pouca roupa que
as vergonhas já não cobriam, porque também já não as tinha, aquele provocante
transeunte, seguimos...
A alta marquise
proporcionava um sombreado, num pequeno trecho da rua, ecoa um som a passar
lentamente pelos ouvidos ainda sob os efeitos da sonoridade audiovisual, um
pouco sob a turbulência sonora da rua, mas aquele fiapo melódico principia, perceptível timbre do ouvido que se ajeita e
permite a penetração da inconfundível nota musical, oferecida pela nossa velha
sanfona, que espalha maviosos acordes da Internacional Socialista, ali, ao ar
livre daquela tão prostituta rua.
Foto divulgação internet
O africano para. O trânsito
transeunte da calçada fora subitamente alterado, passos diminuem, rotas
repentinas surgem, agora o som é límpido e lá impávido “qui nem Rosa de Lalí”,
o esquelético e cabeludo sanfoneiro continua, absorto a tocar aquele sonho
distante no tempo. Frente a frente, onde apenas um vê o outro e o som envolve
os dois, o “portuga” mão de vaca, tira do sonâmbulo tocador, um gesto sutil de
agradecimento, com a certeza do observador, de que a feira da semana fora
garantida pela generosidade do gesto!
Foto divulgação internet - manifestação em Lisboa
Ah, meu amigo, quanto
vazio sua presença nos falta. A Rua de tão Augusta, tão distante ficou. O
cinema tão festejado tanto incomoda, agora provoca. Frequentá-lo já não convém.
Do tempo que ainda resta, certa escolhas nos impõe e a caverna que liberta os
sonhos, achá-los convém. Ainda que haja vida lá fora, da janela a mirar a luz
que brilhar o rumo do teu olhar... Corta!
Foto Diogo - Gouveia visitando as obras do Cineclube Grajaú,
sala vitrine do Circuito Popular de Cinema, projeto do CECISP.